Conto por Fernando Andrade
Ele era o único que
poderia tirar aquele anel cravejado de diamante do dedo da senhora Rosa -
cometida por um enfarto fulminante; indo ao chão do seu apartamento quando teve
o mal súbito. Foi naquele exato momento; o capricho do destino uniu a riqueza à
posse num elo macabro de piada soturna. Pois aquilo valia trinta mil reais e
por um detalhe indigesto de quem a achou morta, o anel estava preso ao seu dedo
por ter o dedo inchado após a morte. Não haveria de tirá-lo dali sem retirar o
dedo da senhora e, portanto só Doutor Fausto poderia isolá-lo da carne humana
antes que esta se decompusesse. Como estava fora do seu alcance ele próprio
levar só o dedo da senhora, teria ele que deslocar o corpo da velha sem que
ninguém notasse. Desceu o corpo pela escada de serviço e lá na garagem às 3
horas da madrugada, o colocou no seu carro. Para mantê-la firme sem cair,
amarrou os braços e as pernas às maçanetas do carro mantendo a defunta
equilibrada. Ainda bem que ela estava em trajes sociais, porque não se via
trocando roupa de uma senhora de 80 anos sem ela poder se defender.
Naquela hora a cidade continha elementos que
para ele se aproximavam do que ele era e do que estaria a fazer. Sentiu-se mais
seguro porque tudo acontecia na ausência de luz, o medo, o terror mais sacro, a
essência da natureza mais cruel era idealizada por escritores e poetas naquele
período do dia. E era sempre no trajeto de algo lúgubre como ele estava fazendo
que a consciência não lhe permitisse dilemas morais. Chegou à casa do Doutor
Fausto e montou senhora Rosa nas costas, carregando ela pelo jardim do médico.
A depositou num sofá da sala do médico que examinou quando aproximadamente
teria acontecido o enfarte. Ali combinaram repartir o dinheiro pela metade,
pois um achou a riqueza e o outro tinha o ofício para trazer a posse desta
riqueza. Doutor Fausto com bisturi afiado foi raspando a pele e a carne do dedo
da Rosa até ele ficar mais “magro”. Foi quando viram que aquele anel não era o
de brilhante.
Revistaram-na as
suas roupas íntimas e ali encontraram um pedaço de papel com a seguinte
mensagem. "De algo tão valioso para
algo tão íntimo". Eles sabiam que ela tinha um anel que valia muito
dinheiro. O único lugar que poderia ser-lhe tão íntimo era o canal vaginal de
Rosa. O dilema moral estava posto com todas as letras, nem ele nem o doutor
Fausto suportariam ter tal ambivalência mesmo por 30 mil reais.
Doutor Fausto
meditou no que iria fazer e falou a ele que não poderia tocá-la tão intimamente
por ser médico ginecologista. Estava fora ao seu alcance aviltá-la desta
maneira, ele examinava mulheres vivas e com seus consentimentos. Ele tentou
colocar mais grana na mão do médico, mas recebeu como reposta arrume outra
pessoa. Saiu com ela nas costas e a enfiou dentro do carro, agora sem nenhuma
preocupação de segurá-la para não cair. Já tinha alguém em mente e foi naquela
hora mesma procurá-la. Ela não dormia a noite, trocava a noite pelo dia. Quando
chegou reparou que a porta estava aberta e perguntou por Conceição, a voz
clamorosa veio do banheiro. Quando saiu; ele viu que ela conhecia cada vez aonde
pisava, sua visão não lhe fazia mais falta. Contou por alto a estória e detonou
a ida ao Doutor Fausto para que não a contrariasse. A moça pediu para tirar a
roupa da senhora e deitá-la no chão. No chão? Perguntou ele. Assim o fez com
algum pudor, pois algo dizia que estava atravessando um terreno pantanoso onde
não haveria como não se atolar. Conceição abriu as pernas de Rosa e enfiou o dedo
lá dentro vasculhando a parte mais para fora e tocou em algo que parecia
circular. Quando tirou, ela pelo tato sorriu e ele ao olhar para aquilo sentiu
um combinado de nojo e desespero. Não havia anel nenhum ou talvez algo
simbólico como uma camisinha masculina; o que para senhora Rosa parecia íntima
até se poderia conjeturar que ela mantivesse uma vida sexual. Mas no papel
haviam escrito valioso e com todas as informações que ele tinha colhido sobre
ela, a herança do filho milionário e a compra do anel num leilão.