“Amor”
Resenha por Fernando
Andrade
O corte é uma arma
utilizada para deixar de olhar algum incômodo que venha depois. Exímio prosador
do bom tom: edita cenas agonizantes, ele serve para nos poupar do drama pesado.
No cinema de Michael Haneke não há esses
cortes provisórios. Ele escreve a cena de maneira inteira, mesmo achando que
exagere nos elementos da dramaturgia que compõe o enredo. Ele discursa através dos seus diálogos
incisivos alguma idéia sua que ele mantém na sua mente de artista. E nada
melhor que personagens complexos e individualizados em algum conflito
fortíssimo para saber que postura moral irá nortear suas ações. Para isso,
atores e atrizes capazes de trazer esta complexa teoria que ele encena de forma
dura. “Amor” filme que está ganhando todos os prêmios e tem sido escolhido por
todas as associações de críticos do mundo, como melhor filme de 2012 é uma
síntese de seu trabalho, talvez porque estamos muito próximos de um evento em
que nós expectadores: podemos nos ver. O mal que o diretor sempre estudou nas
esferas sociais, que se dissemina ou se multiplica alterando a existência de
uma ordem aparentemente em paz. Em “Amor”
ele coloca na própria biologia do corpo humano que um dia definhará. E como
aceitar este imperativo físico que é tão próximo da nossa constituição
psíquica, já que corpo e mente são unos. A atuação de Emmanuelle Riva é
estupenda. Do momento de um alheamento que inicia o processo ocasionado por um
derrame até a paralisia é perfeita, inclusive, sua andança pelo processo degenerativo que
passa seu corpo. Ainda mais, sua altivez em não passar por uma degradação para
seu esposo ver. Jean-Louis Trintignant é um colosso de moralidade ao fechar sua
esposa da bisbilhotice de filha e amigos. Toda sua força está concentrada no
verbo afiado e na tarefa diária de cuidar da mulher. Voltando ao corte, Haneke,
cuida que cada cena tenha um peso que traga ao expectador além de informação,
mas também participação, talvez o peso do drama seja para ele tão definidor que
ele não avente a possibilidade de quem assista não se coloque no filme.