Páginas

quinta-feira, 14 de março de 2013

A Herança da senhora Rosa





 
 

Conto por Fernando Andrade


Ele era o único que poderia tirar aquele anel cravejado de diamante do dedo da senhora Rosa - cometida por um enfarto fulminante; indo ao chão do seu apartamento quando teve o mal súbito. Foi naquele exato momento; o capricho do destino uniu a riqueza à posse num elo macabro de piada soturna. Pois aquilo valia trinta mil reais e por um detalhe indigesto de quem a achou morta, o anel estava preso ao seu dedo por ter o dedo inchado após a morte. Não haveria de tirá-lo dali sem retirar o dedo da senhora e, portanto só Doutor Fausto poderia isolá-lo da carne humana antes que esta se decompusesse. Como estava fora do seu alcance ele próprio levar só o dedo da senhora, teria ele que deslocar o corpo da velha sem que ninguém notasse. Desceu o corpo pela escada de serviço e lá na garagem às 3 horas da madrugada, o colocou no seu carro. Para mantê-la firme sem cair, amarrou os braços e as pernas às maçanetas do carro mantendo a defunta equilibrada. Ainda bem que ela estava em trajes sociais, porque não se via trocando roupa de uma senhora de 80 anos sem ela poder se defender.

 Naquela hora a cidade continha elementos que para ele se aproximavam do que ele era e do que estaria a fazer. Sentiu-se mais seguro porque tudo acontecia na ausência de luz, o medo, o terror mais sacro, a essência da natureza mais cruel era idealizada por escritores e poetas naquele período do dia. E era sempre no trajeto de algo lúgubre como ele estava fazendo que a consciência não lhe permitisse dilemas morais. Chegou à casa do Doutor Fausto e montou senhora Rosa nas costas, carregando ela pelo jardim do médico. A depositou num sofá da sala do médico que examinou quando aproximadamente teria acontecido o enfarte. Ali combinaram repartir o dinheiro pela metade, pois um achou a riqueza e o outro tinha o ofício para trazer a posse desta riqueza. Doutor Fausto com bisturi afiado foi raspando a pele e a carne do dedo da Rosa até ele ficar mais “magro”. Foi quando viram que aquele anel não era o de brilhante.

Revistaram-na as suas roupas íntimas e ali encontraram um pedaço de papel com a seguinte mensagem. "De algo tão valioso para algo tão íntimo". Eles sabiam que ela tinha um anel que valia muito dinheiro. O único lugar que poderia ser-lhe tão íntimo era o canal vaginal de Rosa. O dilema moral estava posto com todas as letras, nem ele nem o doutor Fausto suportariam ter tal ambivalência mesmo por 30 mil reais.       

Doutor Fausto meditou no que iria fazer e falou a ele que não poderia tocá-la tão intimamente por ser médico ginecologista. Estava fora ao seu alcance aviltá-la desta maneira, ele examinava mulheres vivas e com seus consentimentos. Ele tentou colocar mais grana na mão do médico, mas recebeu como reposta arrume outra pessoa. Saiu com ela nas costas e a enfiou dentro do carro, agora sem nenhuma preocupação de segurá-la para não cair. Já tinha alguém em mente e foi naquela hora mesma procurá-la. Ela não dormia a noite, trocava a noite pelo dia. Quando chegou reparou que a porta estava aberta e perguntou por Conceição, a voz clamorosa veio do banheiro. Quando saiu; ele viu que ela conhecia cada vez aonde pisava, sua visão não lhe fazia mais falta. Contou por alto a estória e detonou a ida ao Doutor Fausto para que não a contrariasse. A moça pediu para tirar a roupa da senhora e deitá-la no chão. No chão? Perguntou ele. Assim o fez com algum pudor, pois algo dizia que estava atravessando um terreno pantanoso onde não haveria como não se atolar. Conceição abriu as pernas de Rosa e enfiou o dedo lá dentro vasculhando a parte mais para fora e tocou em algo que parecia circular. Quando tirou, ela pelo tato sorriu e ele ao olhar para aquilo sentiu um combinado de nojo e desespero. Não havia anel nenhum ou talvez algo simbólico como uma camisinha masculina; o que para senhora Rosa parecia íntima até se poderia conjeturar que ela mantivesse uma vida sexual. Mas no papel haviam escrito valioso e com todas as informações que ele tinha colhido sobre ela, a herança do filho milionário e a compra do anel num leilão.      

 

 


 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário