Conto por Fernando
Andrade
Eram 6 da
manhã quando desci do apartamento. Havia tido uma tormentosa insônia. Olhava a
janela fixando no céu a primeira tonalidade de azul de manhã. Saudei-a com se
fosse um brinde a uma noite de amor inebriante. Embora minha noite fosse minha
cama e a solidão, apressei-me a ficar de pé e esperar o amanhecer. Tudo
acalmado pelo zelo dos sonos dos outros, mas eu estava ali para zelar os
últimos vestígios de quem está para levantar e ir para o trabalho. Vesti uma
bermuda e uma camiseta do Botafogo. Esperava eu alguma saudação de algum um
torcedor matutino? Fui à banca e pronto
para adquirir O Globo de uma manhã de sexta-feira. Os lançamentos do cinema
estariam frescos no cacho da prateleira da banca. Cheguei lá e saudei o jornaleiro
Flamenguista. Caíste da cama? Teu time só empatou. Não respondi e fui ao bolso
pegar aquele dois e cinqüenta que levo contado. Para meu desespero, não vi nada
no bolso. O dinheiro não estava; muito menos minha chave de casa. Olhei no
bolso de trás das nádegas. E dali saiu uma chave estranha, única. O senhor vai
levar o Globo? Não José, não trouxe o dinheiro. Esqueceu mais alguma coisa? Uma
chave estranha foi parar nas minhas nádegas. Não é da sua residência? Não. O
senhor está lascado. Há alguém em casa? A empregada chega às 9 horas para fazer
a faxina. O senhor tem três horas para descobrir onde enfiar essa chave. Sabe o
prédio pelos menos? Desconfio. Leve o jornal, depois me paga. Saí com o Globo
debaixo do braço e fui perfilando os prédios da minha rua, tentando lembrar
qual era o dela. Claro, era o anterior ao meu, afinal éramos vizinhos. Cheguei
à porta do prédio e falei com o porteiro que estava ali na frente do portão. O
apartamento dela está vazio. Ele fez sim com a cabeça. Posso ir lá. Para
que? Esqueci uma coisa lá...
Subi no
elevador e saí no terceiro andar. Andei pelo corredor até o número da porta.
Botei a chave no buraco, e pensei e se ela voltou? Quando abri o apartamento
estava vazio. Entrei pela sala e fui para o quarto dali vi um banco esquecido.
Estava este banco exatamente voltado para a janela. Como se ela estivesse ali e
tivesse saído para comprar jornal. Sentei no banco e olhei... –Comecei olhando
o segundo caderno e passei pelos esportes e isso as horas iam deslocando seus
compassos de círculos calmos. Lembrei do beijo naquele outro quarto, do despir
lento e de como ela tinha feito. Vem aqui, o número do apartamento: 302. Não
tive coragem de entrar, deixei apenas um leve esbarrão na porta quando passei.
Ouvi pedaços de conversas dos vizinhos. Agora eu era meu próprio vizinho. Li o
jornal inteiro com uma calma que nunca tive ao ler notícia nenhuma. Naquele dia
eu saberia do mundo inteiro! Fui ao banheiro; lugar dos nossos banhos! E tomei
um! Não foi igual... - sai com uma toalha e sentei no banco e quando vi minha
empregada olhava para mim com uma cara para lá de assustada. Mas senhor... O
que está fazendo ai na casa dos outros com uma toalha apenas. Lembrando
Verônica. Apenas lembrando...
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