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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O Globo e as chaves






Conto por Fernando Andrade

 

Eram 6 da manhã quando desci do apartamento. Havia tido uma tormentosa insônia. Olhava a janela fixando no céu a primeira tonalidade de azul de manhã. Saudei-a com se fosse um brinde a uma noite de amor inebriante. Embora minha noite fosse minha cama e a solidão, apressei-me a ficar de pé e esperar o amanhecer. Tudo acalmado pelo zelo dos sonos dos outros, mas eu estava ali para zelar os últimos vestígios de quem está para levantar e ir para o trabalho. Vesti uma bermuda e uma camiseta do Botafogo. Esperava eu alguma saudação de algum um torcedor matutino?   Fui à banca e pronto para adquirir O Globo de uma manhã de sexta-feira. Os lançamentos do cinema estariam frescos no cacho da prateleira da banca. Cheguei lá e saudei o jornaleiro Flamenguista. Caíste da cama? Teu time só empatou. Não respondi e fui ao bolso pegar aquele dois e cinqüenta que levo contado. Para meu desespero, não vi nada no bolso. O dinheiro não estava; muito menos minha chave de casa. Olhei no bolso de trás das nádegas. E dali saiu uma chave estranha, única. O senhor vai levar o Globo? Não José, não trouxe o dinheiro. Esqueceu mais alguma coisa? Uma chave estranha foi parar nas minhas nádegas. Não é da sua residência? Não. O senhor está lascado. Há alguém em casa? A empregada chega às 9 horas para fazer a faxina. O senhor tem três horas para descobrir onde enfiar essa chave. Sabe o prédio pelos menos? Desconfio. Leve o jornal, depois me paga. Saí com o Globo debaixo do braço e fui perfilando os prédios da minha rua, tentando lembrar qual era o dela. Claro, era o anterior ao meu, afinal éramos vizinhos. Cheguei à porta do prédio e falei com o porteiro que estava ali na frente do portão. O apartamento dela está vazio. Ele fez sim com a cabeça. Posso ir lá. Para que? Esqueci uma coisa lá...
Subi no elevador e saí no terceiro andar. Andei pelo corredor até o número da porta. Botei a chave no buraco, e pensei e se ela voltou? Quando abri o apartamento estava vazio. Entrei pela sala e fui para o quarto dali vi um banco esquecido. Estava este banco exatamente voltado para a janela. Como se ela estivesse ali e tivesse saído para comprar jornal. Sentei no banco e olhei... –Comecei olhando o segundo caderno e passei pelos esportes e isso as horas iam deslocando seus compassos de círculos calmos. Lembrei do beijo naquele outro quarto, do despir lento e de como ela tinha feito. Vem aqui, o número do apartamento: 302. Não tive coragem de entrar, deixei apenas um leve esbarrão na porta quando passei. Ouvi pedaços de conversas dos vizinhos. Agora eu era meu próprio vizinho. Li o jornal inteiro com uma calma que nunca tive ao ler notícia nenhuma. Naquele dia eu saberia do mundo inteiro! Fui ao banheiro; lugar dos nossos banhos! E tomei um! Não foi igual... - sai com uma toalha e sentei no banco e quando vi minha empregada olhava para mim com uma cara para lá de assustada. Mas senhor... O que está fazendo ai na casa dos outros com uma toalha apenas. Lembrando Verônica. Apenas lembrando...           

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